domingo, 15 de fevereiro de 2009

A Cantiga foi a arma



Usaram-na como arma, os poetas e cantores
quando na campina sob o sol abrasador
a mesma foi ouvida por ceifeiras e pastores
que sem medo a cantavam, aviltando o opressor

Arma acutilante que fere e que magoa
aqueles que em verdade a quiseram calar
dedo em riste, que acusando não perdoa
a besta que se apresta, a razão não escutar

Quiseram-na calar, pela força, sem razão
quando cantada era, nas masmorras apodrecidas
as vozes que a cantar diziam não
e que dadas. nunca se dariam por vencidas

Vibrou o canto tão forte como o da cigarra
que fugindo à canicula, na fresca rama se abriga
canto abraçado aos gemidos duma guitarra
mostrando a força imensa, que há numa cantiga

Com ela se fez a senha em dia de redenção
onde o cantor em terra de fraternidade
pôs uma flor na boca de um canhão
e um povo a cantar, em plena liberdade

E foi no canto onde o poeta e o cantor
deram sentido à razão que os unia
de mãos ao alto e nelas uma flor
que fresca e linda foi mostrada nesse dia



João Mira 5.2.09

Joana Vai



Joana vai, vai lavar a casa;
ateia o lume e espevita a brasa.

Espevita a brasa, acende o braseiro;
vai lavar a casa, Joana primeiro.


Joana vai, à fonte buscar
água bem fresquinha p'rá sede matar.

P'rá sede matar que o calor abrasa
mas primeiro terá de lavar a casa.


E Joana assim neste duro afã
acorda cedinho logo de manhã

A mãe foi à venda, o pai ao mercado
vender a cabeça, a que tem de gado.

Livros para ler Joana não tem
só com o trabalho ela se entretém.

E assim passando vai ela entre ralhos
sem dar plos cabelos, agora grisalhos.


Joã0 Mira

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O que sou



Sou a cepa do teu vinho
O sumo do teu amor
Sou do teu lençol o linho
A brasa que dá calor


Sou a fonte onde à tardinha
Vais por caminhos sem fim
Para encher a cantarinha
Com perfumes de alecrim


Sou a arca dos teus sonhos
Sou sol que a ti te cresta
Quando nos dias risonhos
Te vejo bailar a festa


Sou o riacho que corre
A saltar as penedias
Sou o querer que não morre
Para te dar alegrias


Sou o vinho e sou o mel
P'ra adoçar a tua boca
E nunca serei o fel
Por te amar de forma louca


Sou filho de abegão
O meu pai é arraino
dentro do meu coraçao
trago o povo Alentejano.


João Mira

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Abril Me Deu

O jugo tirano a mim me oprimia
E eu sofria; sofria calado.
Noites escuras vivia
Numa ignobil tirania
Deste viver assim amordaçado.

A fome, sentia-a falar
Dentro de mim, com frieza;
Mas forças, forças para a poder calar
Eu não as podia usar
Porque grande era a fraqueza.

Só a esperança! Esperança que ainda vã
Dentro em meio peito, eu pulsar sentia;
Tão linda e já rosada, qual maçã
A me dizer que decerto um amanhã
Radioso e belo como o Sol, eu o teria.

E esse amanhã surgiu
Robusto e forte com o povo a cantar
De mãos dadas correndo como um rio
Com um poeta
Que cantou e fez chorar.

Ele, poeta povo, um braço desse rio
Impetuoso fez ouvir a sua voz
A nos dizer:
Que as portas que Abril abriu
Abertas foram, p'ra sempre p'ra todos nós.

E veio Abril que com amor nos deu
O pão tão desejado e a fraternidade;
Tal como o disse, esse poeta que morreu
Que o pão mais saboroso que comeu
Tem um nome, que se chama Liberdade!

BALADA



Perdido andei no Choupal
Olhando em paz o Mondego
Quando mesmo em temporal
Punha minh'alma em sossêgo

Debaixo da minha capa
Levei amores que outrora
Os relembro aqui na Lapa
Mas que se foram embora

Coimbra dos meus amores
Onde em noites de luar
Abriam-se em paz as flores
Como bocas p'ra beijar

No Penêdo da Saudade
Há 'ma guitarra que timbra
Relembrando a mocidade
A que vivi em Coimbra

Tu me levarás p'rá cova
Ó morte! Se amiga és!
Mas se a vida se renova
Quero viver outra vez!

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Passou o Tempo



Por mim passou o tempo que foi deixando
recordações sentidas do meu viver
por mim passaram anos segredando
dizendo que amar é padecer


Por mim passaram horas de ventura
nos braços de uma amante enlouquecida
a me fazer lembrar o quão distante
ficou o meu oásis nesta vida


As folhas vão caíndo ao abandono
atapetando o chão que já pisei
o tempo já me diz que é Outono
e nas recordações eu me abriguei


Os lábios ressequidos pedem beijos
e eu nem beijos tenho para dar
e calo; calo a voz dos meus desejos
agora com vontade de chorar.

domingo, 18 de janeiro de 2009

AMEI






Amei!
Eu sei que amei perdidamente
Amei aqui; ali; e mais além
E sei que por amar tão loucamente
Fiquei sem poder mais amar alguém



Amei!
Não fui amado; aconteceu
Dorida foi a razão de tanto amar
Que outra em mim não há porque morreu
E amor, já o não tenho a quem o dar.



E se desejos possa eu ter, de ainda amar
Sonhando em ver nascer nova alvorada
Que haja, quem por amor me possa dar
Quando na fria campa eu repousar

Os restos d'uma rosa desfolhada.


2003